O que os olhos veem, o coração fixa: a estratégia por trás de um bom trade dress

Antes de ler este texto, pense num produto do seu dia a dia. Pode ser um shampoo, um biscoito ou aquele remédio que você costuma ter em casa. Você se lembra de como é a embalagem dele? Do seu o formato, cores predominantes? Onde fica posicionada a marca? Há algum detalhe que chame sua atenção?

Mesmo sem ter o rótulo em suas mãos agora, é bem provável que você tenha conseguido descrever alguns desses elementos. Isso acontece porque nosso cérebro guarda esses detalhes visuais e cria associações automáticas com as marcas.

É esse conjunto de elementos que compõe o que chamamos de trade dress — e, como veremos ao longo deste artigo, ele exerce um papel central na forma como escolhemos produtos no dia a dia, complementando o branding.

Para o Direito, trade dress é o nome dado ao conjunto de elementos visuais que permite ao consumidor reconhecer um produto, serviço ou estabelecimento, mesmo sem avistar a marca. A palavra-chave aqui é “conjunto”: trata-se da combinação de forma e/ou tamanho da embalagem, cores predominantes, disposição gráfica e outros elementos, geralmente não verbais, que constroem a identidade visual da empresa ou de um produto.

Em um mundo cada vez de decisões mais rápidas, o trade dress funciona como um atalho visual, permitindo que o item seja identificado de imediato, mesmo à distância, pelo consumidor.

Essa memória visual inconsciente não apenas favorece o reconhecimento rápido, mas fortalece o vínculo emocional e a confiança do consumidor com a marca e sua origem. Em silêncio, ele comunica, convence e fideliza o consumidor, consolidando a marca como uma escolha confiável. Prova disso é que você provavelmente se lembrou das características da embalagem no primeiro parágrafo deste texto.

Em pontos de venda como supermercados e farmácias, por exemplo, a compra costuma ser decidida em questão de segundos. Seja por pressa, distrações (como a presença de crianças ou uma mensagem de texto) ou por estar pensando em outras coisas no momento da compra, o consumidor tende a ter atenção limitada e nem sempre examina as marcas com calma. Nesses contextos, o olhar busca aquilo que já conhece, e é aí que entra a força do trade dress: ser o ponto de reconhecimento rápido, quase automático, em meio ao ruído visual.

Assim, como se trata de um ativo importante para a empresa, o trade dress também tem a sua proteção jurídica: é um direito guardar essa relação íntima com os clientes a partir do conjunto visual de sua embalagem e a relação de reconhecimento e confiança que se estabelece com o público.

No entanto, não é qualquer embalagem que se projeta frente aos concorrentes: ela precisa ser única e distintiva, mas a intensidade dessas qualidades não precisa ser excepcional para atrair proteção.

A partir disso, a proteção aqui referida se trata de um direito de exclusividade. Os seus concorrentes não podem imitar ou reproduzir o seu conjunto visual, de modo a permitir uma confusão, associação e/ou um erro de procedência entre os itens. E disso se infere que o conjunto visual deva ser suficientemente diferente dos demais concorrentes no mercado e reconhecível pelo consumidor, em primeiro lugar. Isso é ser distintivo.

É por isso que costumamos aconselhar aos proprietário desses signos ou conjuntos distintivos que ele seja pensado desde o design do produto, com foco em inovação visual, e se adote consistência na utilização daquele conjunto visual (tanto na concepção de campanhas publicitárias, como em termos de longevidade de uso). É ideal, então, a integração da área jurídica no fluxo de aprovação (antes do lançamento) de novos produtos ou designs, especialmente para validação quanto às paletas de cores, elementos gráficos, formas, diferenciação frente aos concorrentes etc.

Deter um trade dress distintivo, no fim do dia, assegurará que sua empresa possa impedir que terceiros tentem confundir sua clientela por meio de cópias ou imitações visuais.

Este fato ajuda a explicar também a recente tendência de empresas estarem interessadas em registrar a aparência visual de seus produtos como marcas no INPI: o registro acaba por reforçar a distintividade daquele conjunto visual e reitera a possibilidade de se impedir que a concorrência atue deslealmente.

Neste contexto, escritórios de advocacia especializados no assunto se tornam importantes aliados, ao prestar auxílio nesta auditoria visual ou diagnósticos comparativos, elaborar guias práticos e esclarecer as melhores estratégias para se tornar aquela conjunto visual único, distintivo e impedir que terceiros tentem se aproveitar dos esforços e investimentos de sua empresa.

Esperamos que este conteúdo tenha sido útil a você. No próximo texto, nós comentaremos os limites para utilização de um conjunto visual que se aproxime do de concorrentes, trazendo alguns casos práticos em que o Judiciário impediu a utilização de conjuntos visuais de produtos ou de lojas para que melhor se entenda os obstáculos deste direito de exclusividade e a importância de se vigiar constantemente o seu trade dress (e, claro, da concorrência).

* Renato Malafaia é sócio de Litigation no escritório Daniel Law e especialista em propriedade intelectual e direito digital, com 10+ anos de prática jurídica com foco em marcas, trade-dress e concorrência desleal. renato.malafaia@daniel-ip.com

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